Há alguns anos, um primo meu comprou uma cobertura em uma área nobre de São Paulo. Um show de apartamento, espaçoso, com uma cobertura em que, de uma piscina de borda infinita, uma vista imponente se descortina. Só que precisava de uma grande reforma.
Foi durante as obras que fui conhecer o imóvel. De início, fiquei na minha, percorrendo todos os cômodos. Subi as escadas, cheguei ao terraço, me impressionei com a vista, com a área social, a superchurrasqueira — que me deu a impressão de que, para a festa de inauguração, o prédio inteiro seria convidado.
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Chegou então a hora de descer as escadas. Foi quando não resisti mais.
“Zezinho, você está projetando sua moradia para os últimos 30 anos ou para os próximos 30? Seus filhos estão criados e já nem moram mais no Brasil. Sua mãe acabou de celebrar 90 anos. Você está divorciado há mais de 15. Está gastando essa nota toda e, se calhar, nem você, nem sua família, vão usufruir deste megaespaço. Olhe bem estas escadas, de mármore polido e sem corrimão! Sua mãe já não vai conseguir sequer subir ao terraço, quanto mais descer. E, daqui a pouco, nem você!”
Ele ficou chocado! Afinal, o velho é sempre “o outro”...
Ainda houve tempo para remediar.
Deu para alargar os batentes e colocar portas mais amplas que permitissem um cadeirante entrar e sair. As portas dos banheiros passaram a abrir para fora, para facilitar a ajuda sem que o corpo do acidentado formasse uma barreira involuntária.
A cozinha foi readaptada, com prateleiras de fácil alcance dispensando as escadinhas perigosas – ou, pior, aqueles banquinhos. E foram colocados muitos mais pontos de luz.
Mas o novo piso já estava todo substituído, só que não era antiderrapante – não deu para fazer nada. E a escada, ah!, a escada para a cobertura! A única coisa possível foi colocar corrimãos, firmes, dos dois lados e fitas adesivas indicando claramente quando começa um degrau e termina o outro.
“Mas vai ficar feio”, Zezinho protestou de início.
“Mais feio”, respondi, “seria uma fratura do colo do fêmur, sua ou de algum visitante. Estão todos por volta de sua idade, inclusive eu”.
O investimento em uma moradia é, para a maioria de nós, o mais alto que fazemos ao longo da vida. Então, você que me lê agora, talvez na casa dos 30 ou 40, e que está buscando uma nova casa, pense a longo prazo. Talvez conclua que seu desejo será age in place, como se diz na língua inglesa, envelhecer no ambiente que lhe é familiar, onde você já vivia.
Isso exige planejamento e visão de futuro. Investir no passado, levando em conta a vida que se tem ou que já teve, é uma aposta da qual você muito provavelmente vai se arrepender.
Ah! E pense também se onde você mora e pretende continuar morando está próximo ao transporte público, a um comércio local onde você possa chegar caminhando, com áreas verdes por perto – sempre que possível. E que seja silencioso: o sossego passa a ser muito mais apreciado quando se passa a maior parte do dia e da noite em casa.
Afinal, de que valem as duas vagas de garagem na escritura se você poderá nem estar mais dirigindo?